segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Opinião - Vale muito

Victor de Moura 

Imagem: site "Brasil da Mudança"
Os servidores públicos de Marataízes terão reajustados em R$ 150,00 o valor do "ticket alimentação" a partir do próximo pagamento, a ser efetuado ainda nesta semana. Assim, cada servidor passará a receber R$ 600,00 no cartão, quantia a ser gasta, em tese, nos supermercados do município. Sem dúvidas, trata-se de um benefício de grande importância para muitas pessoas que dependem dele para completar suas rendas familiares. No entanto, mesmo sabendo que o "se" está no campo do "não é", vamos a algumas problematizações.  

Lançado pelo Governo Federal no final de 2013, o Vale-Cultura foi concebido com o objetivo de garantir R$ 50,00 para trabalhadores que recebem até 5 salários mínimos terem acesso a produtos e serviços culturais. Com o recurso, portanto, o beneficiário pode adquirir nos estabelecimentos credenciados ingressos para espetáculos circenses, musicais, teatrais e para cinema, comprar livros, revistas, instrumentos, CDs e DVDs, bem como auxiliar no pagamento de cursos voltados ao meio cultural. Os créditos são cumulativos e não expiram. 

Em dezembro passado, a Agência Senado publicou um balanço dos efeitos do Vale-Cultura após um ano de vigência. Na ocasião, 264 mil trabalhadores de todo o país haviam recebido o benefício e 27 mil estabelecimentos, incluindo lojas on-line, aceitavam o cartão magnético com o benefício. 

O Vale-Cultura surgiu ainda com a difícil missão de revolucionar a relação do brasileiro com o consumo de cultura. A reportagem citada apresenta dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre essa relação. De acordo com o IBGE, somente 4% dos brasileiros têm o hábito de ir a museus e 14% frequentam o cinema. A matéria traz ainda resultados de uma pesquisa do Instituto Pró-Livro, que aponta o número médio de livros lidos por ano pelos brasileiros: são 4 contra , por exemplo, 10 pelos espanhóis e 15 pelos franceses. 

Voltando a Marataízes, longe estamos de criticar o aumento do "ticket alimentação". Pensamos, na verdade, nos "efeitos de encadeamento" (tomando emprestado o conceito de Hirschman que, certamente, não o pensou para este fim) que um "Vale-Cultura" municipal poderia gerar nas cadeias produtivas e de valor cultural. Em outras palavras, a instituição de um benefício nos moldes do programa federal atrairia investidores do segmento para Marataízes, gerando emprego e renda com a injeção de aproximadamente R$ 125 mil mensais na economia do município. Cabe destacar a existência de um grande nicho de mercado, paralelo ao formado pelos servidores públicos, composto principalmente por estudantes universitários e secundaristas que, sem margem para dúvidas, inflaria substancialmente tais cadeias.  

Talvez mais importante que a questão financeira seja a movimentação de uma ampla rede de produtores/consumidores de gêneros culturais, estimulando os talentos locais em "pontos de cultura" (outra ideia a ser adaptada, assunto para outro momento), contribuindo para a formação de cidadãos críticos. Não se trata de "inventar a roda". Basta copiar aquilo que já funciona para que se provoque uma modificação estrutural na Cultura local tanto no curto quanto no longo prazo.

Victor de Moura é historiador e  Professor de História da Rede Municipal de Ensino de Marataízes.

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